terça-feira, janeiro 16, 2018

RPG: Aliados, Seguidores, Fortalezas...

O grupo de personagens inicia as aventuras sem muito mais que algumas moedas atadas ao seu nome. Primeira aventura são aquelas peças de ouro de sempre, pra resolver aquele problema de sempre e conquistar aquele tesouro de sempre. Nada diferente desde os anos 1970.

Depois de uns cinco ou seis níveis de "vida mercenária", talvez os personagens comecem a formar inimigos recorrentes, ou enfrentar menos indivíduos e mais situações: ao invés de derrotar os cultistas do templo abandonado, eles têm de fornecer algum tipo de guia espiritual para uma dada região, por exemplo.

Um personagem cujo jogador queira mais que apenas matar monstros e obter tesouros - ei, nada de errado com isso! - logo fará perguntas como: por que seus atos não repercutem no mundo de campanha? Por que nunca há um bardo cantando os seus feitos? Por que o inverno nunca chega/acaba? Por que tanta gente menos poderosa que o grupo de aventureiros parece ser dona de tantas coisas, se os personagens nunca conquistam nada?

Para esse tipo de situação, o jogo em si fornece soluções simples e magníficas, que sempre enriquecem a experiência de jogo.

Aliados


Um aliado é um amigo muito próximo dos personagens, frequentemente alguém que lhes deve um grande favor... ou alguém que os salvou de uma grande encrenca. Por ser um indivíduo "aleatório", há uma grande variedade de papéis que pode ocupar: um contato no mundo do crime, um nobre com ideais revolucionários que prefere manter-se anônimo, um parente distante do Rei, enfim, qualquer pessoa que abra portas aos personagens para que se aventurem mais e mais.

Há, é claro, o aliado que segue em aventuras e perigos. Esse aliado é, talvez, o mais valioso, pois coloca a vida em risco junto dos personagens. Ele não é, porém, o segundo personagem de ninguém: ele é controlado pelo mestre. Sua presença dentro do grupo pode gerar conflitos, especialmente na hora de se dividir tesouros e de se decidir quem se deu mal na ordem de marcha.

O melhor uso para um aliado é o de contrabalançar a presença de um inimigo recorrente. Dar aos personagens uma pessoa que os ajude - ainda que apenas esporadicamente - a enfrentar tantos males e perigos evita aquela sensação de "nós quatro contra o resto do mundo". Sempre vale a pena!

Seguidores


Esses são mais complicadinhos... seguidores são pessoas atraídas pelos feitos dos personagens, ainda que não tenham sido afetados diretamente por resultados desses feitos. Eles são atraídos pela fama, pela possibilidade de poder se desenvolver junto a um tutor poderoso, ou simplesmente por ganância e medo de um adversário em comum. Seguidores quase nunca se aventuram, pois eles tendem a ser pessoas normais, atraídos às dúzias pelos personagens. Se tivessem alguma relevância individualmente, seriam aliados, não seguidores.

Uma pequena rusga pode surgir em relação aos seguidores: eles podem não apoiar as companhias do personagem a que seguem (seguidores são como os fãs de uma celebridade, por assim dizer). Devotos que se aproximaram do sacerdote do grupo podem não achar tão legal assim que ele seja frequentemente visitado por um bárbaro sujo e de péssimas maneiras, que ainda por cima nunca se dirige ao sacerdote com o que eles consideram ser "o devido respeito". Um grupo de estudiosos arcanos pode achar que o próprio sacerdote está "aparecendo demais" nas decisões tomadas pelo mago, o que eles podem entender como "interferência religiosa em assuntos intelectuais", e por aí vai.

Seguidores servem, muito bem, para dar alma e direcionamento a alguma faceta desenvolvida por algum personagem. Eles são pessoas que foram atraídas pelos feitos de um herói, ou de um vilão, e que portanto decidiram atuar segundo esse exemplo. Um ladino com vários contatos dentro de uma cidade ou um guerreiro que sempre é convidado a participar de banquetes e festins são ótimos exemplos do bom uso de seguidores.

Por fim... seguidores podem ser uma ótima fonte de dinheiro, encrencas, alívio cômico e realismo. Personagens bem evoluídos podem ter que se deparar com situações do tipo "Pedro roubou a minha cabra", e sendo chamados a resolver a questão. Dinheiro pode ser, também, demandado pelos seguidores (uma festa para a divindade tal, uma doação para os sobreviventes de uma guerra, a confecção de itens para um astrolábio, etc) o que serve para limpar os cofres de um grupo muito rico. Seguidores já mandaram mais personagens à procura de aventuras que qualquer tesouro lendário, acredite.

Fortalezas


Ahhhh... agora, sim!

No início das campanhas, poucos personagens tem, sequer, uma casa pra morar, uma base de operações ou alguma coisa que o valha. A rigor, eles moram mesmo é na taverna (talvez por isso nunca saiam de lá...), mas ninguém se preocupa muito com isso. Porém, o acúmulo de riquezas materiais logo fará com que os personagens tenham de viver "em algum lugar". Bons cavalos requerem um estábulo, armas e armaduras de qualidade podem requerer um ferreiro dedicado, suprimentos para viagem podem requerer um armazém... aí surgem as bases de operações, os quartéis generais de aventureiros bem sucedidos.

Passadas as necessidades genéricas, os próprios personagens podem querer mais espaço. Laboratórios arcanos, bibliotecas, salas de itens mágicos e tesouros, um lugar seguro para se fazer orações e treinamentos... tudo isso ecoa a palavra "fortaleza". Se elas serão individuais ou coletivas, pouco importa: o que importa é que trarão para o grupo um dos melhores (senão o melhor) prazeres que um grupo de jogo pode ter: construir coletivamente a história do mundo de campanha.

A rigor, não existe nível mais ou menos correto para que os personagens possam ter suas fortalezas. Eles podem ter algum tipo de base de operações desde o primeiro nível (a taverna não conta!). A partir do momento em que têm um endereço fixo, é esse o local para onde irão seus seguidores e seus aliados, onde provavelmente ocuparão as cercanias.

Em uma situação típica, os personagens descobrirão uma fortaleza há muito esquecida, dentro de terras selvagens, ocupada por @vilão aleatório@. Eles expulsarão os antigos ocupantes, e tomarão a fortaleza para si. Então, com um pouco de tempo, seus feitos ecoarão para outras terras, e de lá virão pessoas das mais variadas, em busca de todo o tipo de oportunidades que uma região redescoberta pode oferecer.

Nessa hora, o mestre também pode infiltrar os inimigos dos personagens, pessoas interessadas em sua derrocada ou que estão apenas interessadas em aplicar algum tipo de golpe em sua fortuna. Como eu disse acima: passa-se de inimigos pessoais para inimigos situacionais.

Não se espera que os jogadores passem a gastar horas e horas administrando cada pormenor de suas fortalezas (para isso existem seguidores e aliados), nem que lidem com cada aspecto de cada empregado que venham a contratar. É necessário que se simplifiquem as coisas, a fim de manter as aventuras ocorrendo. Mas, em algum momento, é bom que os personagens sejam chamados a algum tipo de obrigação inusitada por ter uma fortaleza (pagar impostos ao rei, por exemplo... ou abrigar os sobreviventes de uma avalanche... ou, quem sabe, rearmar um exército aliado nas vizinhanças). É importante que a fortaleza tenha alguma vida própria, independente das aventuras em si.

O ápice desse processo vem quando se abrem as portas para que os personagens mais antigos decidam que, talvez, estejam prontos para se aposentar. Novas pessoas vieram em sua busca, e alguns talvez sejam aventureiros em potencial. Por que não treiná-los para que sigam os seus passos? Assim, um grupo de jogo pode aposentar os heróis bem sucedidos, ampliando os domínios de um reino e abrindo espaços para que uma nova geração de aventureiros (os novos personagens dos jogadores) possam também desbravar e conquistar, para também, um dia, conquistar poder, fama, seguidores, aliados... uma nova fortaleza...

E.

quinta-feira, janeiro 04, 2018

RPG: Goblins, Kobolds, Taslois...

Olá!

Motivado por velhas experiências e novos relatos, estou aqui, mais uma vez, para  tratar de um tema sempre presente: o que fazer com esses pequenos seres, além de matá-los de uma vez?

RPG Em Um Mundo... Humano?


Em algum lugar do Livro do Mestre de AD&D Segunda Edição, há uma breve explicação sobre o porquê de determinadas escolhas terem sido feitas dentro do sistema: apesar de toda a fantasia medieval envolvida (low magic ou high magic), o mundo de fantasia é, essencialmente, humano. Isso implica em quase tudo, desde as RAÇAS consideradas boas, e aquelas consideradas más (com todas as exceções que comprovam a regra).

Portanto, em cenários baseados naquele sistema (e em seus antecessores, sucessores e muitos de seus derivados), existem simplificações extremas que tornem todo esse heroísmo muito mais tangível e imediato: dragões vêm codificados por CORES (vermelhos negros e brancos são malignos; dourados, prateados e argênteos são bondosos), quase todos os indivíduos conscientes e quase todas as sociedades que eles criam tendem ao bem ou ao mal (sistema de tendências) e... tanto o bem quanto o mal vêm em "pacotes" proporcionais à sua intensidade. Assim, enquanto liches e beholders representam um "pacote grande" de maldade, são os goblins, taslois e kobolds que representam os "pacotes pequenos" dessa mesma maldade. Tudo isso tendo como referência um padrão humano, um ponto de vista natural e, porque não, unânime em torno da questão.

Errar é Humano


Um mundo humano, porém, não é o que se espera em um jogo de fantasia medieval. Em um mundo humano medieval "realista", mulheres não teriam, talvez, o direito a falar em público, por exemplo. Escravidão seria legítima em muitos lugares considerados bons, e por aí vai. Justamente por tantas e tantas questões, trata-se de um jogo de FANTASIA medieval, e as mulheres podem sim falar em público, conjurar magias e beber até cair, por exemplo - cada uma a seu critério. Também não se pode tratar temas como escravidão, racismo e abuso de forma natural sem que se ganhe um "certificado de malignidade" estampado na testa. Bom... exceto se você estiver tratando "seres claramente malignos", como o são kobolds, taslois e goblins.

Nesse tipo de ambientação, humanos estão, majoritariamente, corretos quando se juntam a elfos, anões, halflings e gnomos, por exemplo. Porém, todos aqueles que se associam a orcs, drows, duergars e similares, estarão prioritariamente errados, mesmo se forem humanos. Tudo por uma questão de limites previamente estabelecidos: elfos são bondosos e protegem florestas; drows são malignos e assombram os subterrâneos, e por aí vai. Não é o melhor dos mundos (rá!), mas é uma maneira fácil de se conduzir um jogo delicioso e divertido.

Mas... seria só isso?

O Problema é a Escolha


O ponto, em si, é basicamente este: até onde você quer que seu cenário se aprofunde em questões morais? Em um mundo inundado por humanoides, seria realmente necessário adotar um ponto de vista previamente direcionado? Ou seria adequado dar a todas (ou a algumas das RAÇAS) a condição de, assim como os humanos, construir sociedades e apresentar indivíduos de tendências mais variadas?

Pense em um goblin. Ele, usualmente, não tem muito a oferecer como desafio, e por isso é utilizado como adversário perante os heróis logo nos primeiros encontros dos primeiros níveis. Em termos de metajogo, eles estão ali apenas para que os jogadores treinem seus conhecimentos do sistema de combate, aprendam quais dados rolar para ataque e dano, como calcular movimento e iniciativa, etc. Acreditem, isso funciona. Vem funcionando há 40 anos ou mais, e por isso mesmo, não é NECESSÁRIO alterar nada nessa dinâmica.

Porém... e se você quiser fazer algo diferente disso? E se você ESCOLHER outra saída?

Em termos de regras, ambientações, suplementos, alternativas e toda a literatura de fantasia já existente, não há nada que obrigue nenhum jogador ou mestre a tratar essa ou aquela RAÇA humanoide como maligna ou benigna... ou mesmo neutra. Qualquer mestre, em qualquer lugar, pode decidir que há, por exemplo, uma nação de goblins livres, com sociedades secretas e espiões infiltrados em outros povos, sempre lutando para libertar seus irmãos goblins do jugo das "raças maiores". Eles certamente contariam com aliados entre vários povos de variadas raças, assim como inimigos dentre suas próprias fileiras, dentro de seu próprio sangue. Um cenário no qual um grupo de heróis investiga um complexo de túneis apenas para encontrar duas ou três forças goblinoides lutando não só pelo poder em si, mas defendendo visões de mundo conflitantes seria uma experiência inesquecível: acredite, eu já mestrei isso.

Para os jogadores, imagine a situação na qual eles se deparam com forças militares organizadas, com estandartes, armas, idiomas e táticas diferentes! De repente, nem todo goblin é igual, nem todo kobold é um servo de Tiamat... nem todo Tasloi é uma criatura traiçoeira a espera do inimigo mais fraco.

O Lembrete de Sempre


Nunca se esqueça: a experiência de jogo deve ser divertida. Deve ser marcante por divertir, por reunir amigos, pessoas interessadas em narrar histórias e/ou matar monstros, não necessariamente nessa ordem. Você conhece seu grupo melhor que ninguém, então talvez não seja a melhor estratégia iniciar a próxima sessão de jogo com cinco goblins paladinos, por exemplo. E, se posso sugerir uma boa referência atualíssima, há o filme Bright, da Netflix, que traçou um bom exemplo de como seria uma sociedade que parte de um princípio tal (elfos são supremos, orcs são lixo) e que, por virtude de uma única mudança em um único indivíduo... passa a se transformar em algo diferente.

Até a próxima, e sempre procure se divertir de novas maneiras!

E.